Ao longo da minha vida e estudos sobre Paganismo, sempre me deparei com textos que tinham o objetivo de expor o simbolismo do Beltane. Contudo, lá no início, nem sempre tinha a sorte de encontrar um texto que tivesse como foco um diálogo entre o que o Beltane foi, no tempo pré-cristão, e como ele pode ser interpretado nos dias de hoje. É fácil falar sobre dança ao redor de mastro ou passar gado perto da fogueira pra tirar energia ruim e outras relações que são, em sua origem, pautadas em uma estrutura sazonal extremamente diferente da nossa. Difícil é compreender como tudo pode ser interpretado no modelo de sociedade que vivemos atualmente.
Por isso mesmo que hoje, pra libar minha homenagem aos Deuses de minha devoção, trago algumas taças de reflexões a cerca do simbolismo do Beltane. O que esse rito representa pra mim e de que forma ele toca meu coração, em meio a uma vida corrida, como de mãe, professora, taróloga-tarotista, bruxa e hoodoo lady, cuidadora de inúmeros pets e dona de casa.
De que serve a nossa fé, se não for para ser útil e nos trazer coisas boas em nossas vidas, não é mesmo? Imaginem só, se no meio desse caos orquestrado que eu chamo de vida, eu quisesse parar para ir cultuar Deuses só pelo simples fato de achar legal ir pra floresta e ser chamada a atenção pelos guardas florestais? (Sim, eles já brigaram comigo muitas vezes, por estar em horário inapropriado, não usar roupa apropriada e fazer práticas inapropriadas – mais isso morre aqui entre a gente! rs).
Minha vida é corrida e meu tempo para o lazer é precioso. Minha relação com os Deuses é de imersão diária, desde a hora que acordo até meu último suspiro consciente antes de dormir. E, muitas vezes, adentra o universo onírico em mensagens proféticas e simbolismos.
Ou Eles me servem de inspiração para minhas escolhas e de ferramenta para que eu alcance mais facilmente meus objetivos, ou jamais teriam espaço em minha vida. Cultuar pelo simples gesto de culto é, pra mim, algo totalmente sem sentido. Nada iria me diferenciar de um cristão que vai à Igreja aos domingos, se esse fosse o caso. Meus Deuses e meus guias estão fundidos a minha alma. Em cada vela que acendo, seja hoje, no Beltane, seja numa data aleatória.
Simbolismo do Beltane ontem e hoje
Primeiro é bom lembrar das bases simbólicas que estão relacionadas ao Beltane de outra época. Ele é um rito que representa o começo do Verão e final do Inverno, dentro de práticas relacionadas a inúmeros povos que hoje denominamos como “Celtas”. E, embora as vertentes modernas de paganismos duístas (Wicca) tenham vinculado essa festa a um ciclo anual de oito festas, o que se sabe, de fato, é que apenas quatro festas anuais eram comemoradas. Duas em uma alusão à “metade clara do ano”, e duas à “metade escura”. Sendo o Beltane, portanto, um dos ritos pertencentes a metade “clara” do ano, o oposto ao Samhain.
Assim como ocorre no Samhain, os véus entre os Mundos se tornam mais sutis, fazendo com que a presença de Seres feéricos e espíritos seja mais recorrente. Há um tempo atrás eu postei um texto que falava sobre Seres feéricos e as deturpações de imagens que as pessoas fizeram durante anos a respeito desses seres. Dizer que o Beltane e a abertura dos portais que separam os Mundos é uma boa época para fazer oferenda aos Deuses, ok. Agora, comemorar a possibilidade de encontro com seres feéricos, como quem vai a um Pub tomar um whiskey, aí já é muito over!
Do ponto de vista de prática de feitiçaria, de fato, essa época é uma oportunidade de lançar feitiços, principalmente aqueles que estão voltados para sucesso, beleza, prosperidade, firmar uniões… E isso é ótimo. Usar essa data para fazer oferendas – pra quem, diferente de mim, não faz ao longo do ano todo – também acho importante. Mas, em termos de Seres feéricos, especificamente, esse é também um período em que devemos estar atentos. Montar nossos ritos, reforçar nossas proteções… E, claro, fazer oferendas pra esse povo que, em sua maioria, são tricksters.
Por hora, voltemos à simbologia do Beltane…
Se pensarmos no calor dos infernos que faz o ano todo em algumas regiões do Brasil (como é aqui no RJ), considerar “metade clara” e “metade escura” do ano é algo totalmente surreal. Contudo, devemos nos ligar a grande metáfora da psiquê que esses termos representam. Pensar dessa forma não é uma forma leviana de adaptar questões sazonais. Considere que, de fato, as pessoas tornavam-se mais introspectivas no inverno devido às limitações da vida tribal. E, naturalmente, a introspecção nos leva, por vezes, ao encontro com nossa “metade escura”. Isso me faz lembrar da frase de Nietzsche sobre o abismo, que diz: “quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha pra você”.
Longe de tentar traçar qualquer relação de Nietzche com “celtismo”, mais a fim de elucidar as questões da mente reflexiva, essa frase é o exemplo perfeito da importância entre o movimento de “fechar-se na escuridão de seus abismos pessoais” e “abrir-se para os raios solares da vida”. Descartando-se os casos de pessoas que vivem de forma totalmente alienada, nós fazemos isso inúmeras vezes ao longo de nossas vidas.
Pra mim, “metade clara” e “metade escura” representa uma dança que nos conduz para dentro e fora de nós mesmos.
Nos lembra que há tempo de acender um lareira interna e iluminar as coisas que não queremos ver. Assim como, a “metade clara”, como o Beltane representa, nos lembra que é necessário abrir-se à vida, ao novo. É regenerar-se e colocar cada coisa em seu lugar para – la na frente – dar espaço e organização para lançar novas sementes no solo fértil de nossas almas.
Claro que ninguém vai deixar de revisitar problemas por conta de um calendário religioso. Tampouco vão deixar de mergulhar na profundidade de si mesmos por esse mesmo motivo. A vida não é assim, sabemos. Mas são marcos sazonais, culturais e religiosos de nossa fé. Eles nos dizem que há um tempo pra cada coisa. E que não devemos adentrar outros ciclos se não findamos com o anterior. Esse marco nos lembra também que a vida não pára para nossas questões pessoais. E, aquilo que você não resolve no tempo de ser resolvido, muito provavelmente será carregado – como uma bagagem extra – no nosso caminhar. Pesando nossa jornada de vida e fazendo com que nosso foco esteja disperso e vitalidade reduzida.
Devemos pensar o Beltane como o início de uma regência de Deidades mais solares. Logo, tudo aquilo que o Inverno dos pensamentos nos trouxe deve ser deixado pra trás. É hora de se livrar de energias ruins, purificar a casa, os bichos e os amuletos. Da mesma forma, porém adaptada a nossa realidade social atual, como o gado era, outrora, purificado ao passar por entre as fogueiras.
O que não serve vai para fogueira, crenças limitantes, medos, inseguranças, dor, pensamentos depressivos, procrastinação… E, assim, nos fortalecemos para novas etapas de trabalho. Livre de bagagens extra, na busca dos desejos de nossas almas e sucesso pessoal (compreendido aqui também de forma metafórica).
O que fazer nessa época do ano?
Beltane é um período muito alegre, comemorado no ritos – se possível – com muitos amigos, danças e músicas! Contudo, mais importante que celebrar deidades é o que fazemos de nossas vidas frente aos olhos dos Deuses. Não que eles estejam lá para nos julgar. Por que, sinceramente, eles não estão.
Mas porque acredito que: se os amamos, os admiramos.
E, se os admiramos, então eles devem ser a inspiração e modelo para nossos próprios atos diários.
Essa é uma época excelente para se fazer trabalhos de cura, amor, prosperidade, beleza e juventude. Não que estejamos limitados a realizar tais feitos somente nessa época do ano. Esse tipo de crença pessoal só atrapalha a trajetória de sucesso do feiticeiro, pagão, bruxo, etc. Mas, de fato, nessa época do ano a gente ganha um plus.
Lembra da conexão melhorada que eu falei? Então, aproveite! Seguem algumas sugestões:
- Escreve tudo que te atrapalha e queima com vontade. É tempo de purificação através do fogo (o descarte de tudo – seja físico, emocional ou psicológico – que restringe nossas ações).
- Limpa também tua casa. Lembra que pensamento ruim acumulado no ambiente é porta aberta pra aproximação de outras energias ainda piores.
- Limpa teu corpo. Não só para estar pronto para esse novo ciclo, mas para ter seus caminhos abertos.
- Nos teus ritos, celebra os Deuses com oferendas feitas com suas próprias mãos, de forma integral e não parte ou restos do que você come. Toda oferenda é também um pedido, portanto, capriche! Sugestões: (frutas, sidra, cerveja, pães, bolos, artesanato, águas de cheiro e itens de beleza)
- Lança teus feitiços para prosperidade, brilho pessoal e sucesso. É tempo de agir, de buscar tudo que queremos! Ervas que podem ser úteis: borragem (para lavagens de chão para trazer paz no lar), calêndula (para sorte em jogos e negócios), musgo irlandês (para atrair dinheiro e prosperidade) e bétula (para sua proteção após limpeza).
- No dia a dia, celebra COMO os Deuses. Em cada festa, a cada música, em cada beijo, a cada dia. Inspire-se naquilo que eles são, e seja!
Um excelente período de Beltane pra você, com as bênçãos dos Nossos.
Que assim seja!
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