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A Febre da Dança: Entre a fé e os fatos

Foi exatamente no mês de Julho (mas há 499 anos) que começava uma epidemia extremamente inusitada num pequeno vilarejo na França, a Febre da Dança. Ao que se sabe, esse frenesi coletivo de dança, no qual aparentemente “do nada” as pessoas começavam a dançar sem parar, matou muitas pessoas, entre homens, mulheres (muitas freiras, inclusive) e crianças. Essa epidemia terminou exatamente da mesma forma que começou, repentinamente.

Além da estranheza que a história por si só nos traz, é inevitável perguntarmos a causa que deu origem a tal doença. Teria sido causada por envenenamento por fungos na farinha, como afirmam pesquisadores? Ou seria uma mera obra da mente humana condicionada a uma vida difícil que teria gerado uma histeria coletiva? Ou, ainda, poderíamos afirmar que teria sido uma punição divina cristã ou maldição pagã gerada por algum Ser feérico, como afirmavam na época?

Contam que a Febre da dança se originou ao lado de um poço, no verão de 1518. Já existiam relatos de outros casos da Praga da Dança nos séculos anteriores, mas essa teria sido a primeira vez em que pessoas foram levadas à morte pela dança. Sim, é bizarro! Mas as pessoas começavam a dançar e não conseguiam mais parar. Sem comer ou dormir, seus sapatos ficavam gastos e seus pés ensangüentados. E, depois de alguns dias ou semanas nesse frenesi, aliado a um verão escaldante, morriam por desidratação, exaustão ou por acidente vascular cerebral, durante desmaios.

 

 

Um tempo para Dançar, um tempo para morrer

É claro que devemos lembrar que, segundo estudos na área da psicologia, condições de vida extremamente duras, aliadas à escassez de comida e radicalismo ou confinamento religiosos (no caso das freiras), podem levar uma pessoa a estados de consciência alterados. Devemos lembrar também que há a possibilidade de contaminação por Fungos que talvez tivessem causado um efeito psicoativo. É fato que há registro de alagamentos das lavouras de centeio ocorridos no período e sabemos também que a farinha de centeio era comumente usada na época para fazer pães.

Louis Backman, um médico sueco, farmacologista e autor do livro: Religious Dances in the Christian Church and in Popular Medicine (Danças religiosas na Igreja cristã e na Medicina Popular), buscou uma origem biológica e química para a Praga da Dança. Backman afirmava que a explicação mais provável para a doença eram as alucinações causadas pelo Fungo “Claviceps purpurea”, conhecido como “esporão-do-centeio”. Esse Fungo teria crescido nos talos do centeio, umidificado por conta das chuvas e alagamentos. Segundo Backman, quando consumido, o fungo ocasionava as convulsões e alucinações.

Contudo, o pesquisador e historiador John Waller, autor do intitulado livro A Time to dance, a Time to Die: The Extraordinary Story of the Dancing Plague of 1518 (Um tempo para Dançar, um tempo para morrer: A extraordinária história da Praga da Dança de 1518), discordou das teorias de Backman.

 

Waller afirmou que os efeitos psicoativos causados pelo tal Fungo não gerariam movimentos coordenados e que duram dias.

 

Para discordar de Backman, Waller usou registros dos médicos, dos padres e de pesquisadores da época. De acordo com tais registros, as pessoas acometidas da Praga da Dança não realizavam espasmos aleatórios, mas sim, movimentos repetitivos e coordenados, como os de uma dança.

John Waller é professor-doutor em história da Medicina na Universidade Estadual de Michigan. Ele também é autor de cinco livros sobre vários aspectos da História social e da história da Medicina.

A Time to Dance a Time to Die John Waller Foto da capa do livro publicado em 2008

 

 

Entre a Fé e os fatos sobre a Febre da Dança

Vale lembrar que na época as pessoas acreditavam que seu Deus (o Deus cristão) estava punindo as pessoas por seu comportamento herege. O trauma da Santa Inquisição do período medieval certamente ainda rondava o consciente das pessoas.

O período da Febre da Dança correspondeu a um período posterior, porém, ainda de grande radicalismo religioso cristão, no qual um mero deslize em sua conduta perante a Igreja serviria de justificativa para ser mal visto socialmente. Mas a questão é que a Febre da Dança não ocorreu com um grupo pequeno de pessoas desajustadas, estamos falando de centenas de participantes! Considerando esse contexto religioso conservador, é difícil acreditar que alguma pessoa quisesse passar por tal exposição. Ou seja, era algo involuntário.

 

Febre da dança gravura de Henricus Hondius  Nessa gravura de Henricus Hondius, baseada no desenho original de Pieter Bruegel (testemunho de um dos surtos de febre da dança na região de Flandres), vemos a tentativa de algumas pessoas de impedirem que amigos ou familiares continuassem a dançar.

Ainda sobre uma perspectiva religiosa, contudo pagã, podemos ver a Febre da Dança (inclusive os constantes alagamentos relatados nos anos anteriores) como um toque divino sobre a humanidade. Um tom de Seres feéricos insatisfeitos.

Não muito longe da França, na Irlanda, ainda hoje permanece na cultura popular a ideia de que os seres antigos da terra não devem ser incomodados. Nas zonas rurais ainda contam o que acontecia com os trabalhadores responsáveis pela abertura de túneis nas colinas. Diziam que muitas empresas preferiam dar a volta, contornando as colinas, ao invés de cortá-las.

 

Acreditavam que pessoas adoeciam ou morriam, pois os seres antigos locais que ali habitam se zangavam com a atitude invasiva dos humanos.

 

Dentro dessas lendas podemos encontrar um tema recorrente que é o motivo dos sapatos mágicos. Um sapato mágico confeccionado por Seres feéricos e que faria seu portador dançar sem parar. Aliado a essa informação podemos unir a crença em Seres feéricos sapateiros. Ou seja, seres mágicos responsáveis pela fabricação dos melhores calçados (que nunca ficavam gastos embora usados para danças que duravam muitas noites e dias) para os reis e rainhas habitantes do Outro Mundo.

Leprechaun pelo artista Anshi Fada sapateiro mágico seres feéricos  Das lendas irlandesas, desenho de um Leprechaun, conhecido como um sapateiro “Fada”.

Manteve-se também no imaginário popular, eternizado pelo trabalho dos irmãos Grimm, o Conto As 12 princesas dançarinas, que também aborda o uso de sapatos mágicos e o frenesi dançante de humanos.

 

Histeria coletiva causada por escassez de comida, Fungos alucinógenos ou maldição de Espíritos locais irritados? Não importa. Esse relato histórico me traz uma reflexão. Percebo o quanto nosso mundo evoluiu em matéria de condições vida e estudos científicos até hoje. Mas, ao mesmo tempo, ainda sabemos muito pouco sobre alguns fenômenos sociais, sejam eles ligados à capacidade da mente humana ou ao encantamento que temos ao nos deparar com situações que podem ser manifestações dos planos espirituais que nos cercam.

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2 Comentários

  • Reply
    Marli
    4 de julho de 2017 at 18:17

    Jess muito bom, adorei!!!! Aprendendo um pouco mais!!!, Gratidão !!!!
    Bjs.

    • Reply
      Jess
      4 de julho de 2017 at 20:29

      Fico muuuuuito feliz de saber que gostou, Marli! Obrigada pelo carinho!!! ^^

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